terça-feira, agosto 22, 2006

As férias de praia são, se tudo corre bem, eu depois do jantar debulhando peles mortas das costas do meu amor e o meu amor debulhando o mesmo das minhas, tal e qual o meu avô fazia à minha avó, o meu pai à minha mãe – e quantos prelúdios de horas sexuais felizes, por mais nojento que me seja imaginá-las nos velhos, houve naqueles gestos?
Oh, mas nada cai do céu, só o sol, e ainda assim é preciso apanhá-lo, que a pele é teimosa e não debulha logo à primeira: portanto não me venham com merdas sobre evitar exposições demoradas, sobre usar protectores solares, que o cancro de pele é, aposto, uma invenção novo-riquista trazida de França pelos nossos emigrantes, mais a porcaria dos rebuçados e dos chocolates – se nunca antes dos anos oitenta ouvira falar no assunto.
Não me venham com merdas, dizia eu – mas vieram: O Grande Dermatologista invadiu a areia encabeçando os banheiros que sistematicamente, durante os primeiros dias, nos expulsaram do sono e do sol das duas da tarde a murro e pontapé, bradando raivosos que viéssemos, ao invés, pela madrugada ou ao lusco-fusco. Tem algum jeito?
Descobrimos então, quase ao acaso, nos arredores dali, uma praia secreta onde se podia trabalhar em paz para a debulha. Era um areal de tamanho modesto – claro, ou lá se ia o secretismo –, mas de composição belíssima: corpos vermelhos estendidos à torreira mais intensa, como camarões gigantes, o murmurinho amoral do mar sem bandeiras e um ou outro gemido de carnes acesas que sem querer se tocaram. (...)

António Gregório

portugal^2005

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